sábado, 24 de janeiro de 2009

Metálica - conto


I
Tinha ainda por mim um salgado tal de areia de praia na bocaentridentes.um som incômodo do mesmo modo doloso.e todas as cores cinzas então que pudesse pintar .as irritações crescentemente num impulso de não se conter por si.e as paredes das ruas de são Paulo fechando-se em constrição.sanfonas agônicas.e por que resolvi por as sanfonas no meio.pois sanfonas são coisas boas.e elas vinham só numa vinda de concreto e sorrisos gelados.e olhares esquivos e palavras vazias propositadamente.querendo me agredir e já agredindo.ainda que me creditem a dureza dessas paredes que agora me acocham.e quase que inevitavelmente se ia sendo jogado feito bola de papel que ia se transformando nos créditos negativos de uma tal poupança do mal. não era brincadeira.mas a coisa estava se tornando em um lamento sertanejo de metal.numa tal fiação fictícia cientifica que era pra dar medo pelo próprio emaranhado da trama que ia se forjando. e eu, imbecil e valente, ia dando corda, metálica tanto quanto e do mesmo modo.
II
Por fim me dei por algumas migalhas de oxigênio. e com a convicção de que nossa capacidade de adaptação não tem tamanho. é assombroso. por outro lado, observando H manuseando um equipamento altamente sofisticado de tecnologia percebo que ele não faz a mínima idéia de que aquilo poderia servir para mudar sua realidade e o meio onde vive.no entanto, H está como que fisgado numa rede invisível e anestésica que o mantém preso as necessidades imediatas.mas H acha que sou seu inimigo. e de alguma forma alimenta um certo medo em si com minha proximidade. de alguma forma, acho, que é uma defesa estrutural.mas me tem como prisioneiro. E não sei por que motivo não o enfrento com alguma violência. prisioneiro de sua própria ignorância. De alguma forma me adaptei a sua vigilância. afinal tenho a firme convicção que jamais o mudarei e muito menos o que pensa a meu respeito.existe uma diferença aberrante entre nos dois: minha agilidade de movimento é estonteante, admito. E meu discurso muitas vezes é de uma agressividade explícita. e ele é estático e mudo. com uns olhos tais que procura dissimular qualquer sentimento ou opinião. Enquanto que a cada passo que dou faço questão de dizer o que penso.como uma provocação. provoco. como recurso de defesa e ataque. ele me provoca exatamente fazendo o contrario.nós somos inimigos mortais. tácitas batalhas invisíveis e silenciosas como nos tabuleiros de xadrez. somos os passos de bichos antes do bote. inimigos e necessidades que muitas vezes desconhecemos para que serve. esqueço por instantes a atenção de H. enquanto que aqui perto estruturas metálicas rangem em sua freqüência agônica que lembra o medo. sob rajadas de vento e calor. Se unem em cada viga, viga a viga. como dando-se as mãos numa irmandade de poder e forca. sua freqüência me é peculiar apesar de crer que qualquer um as poderia ouvir se assim o quisessem. aceito sua existência e sua presença. internamente parecem bem seguras. e é bem verdade que ao que diga respeito aos sons, eles ainda que estranhos e dissonantes, possuem um dom tal devido a sua repetição para uma tal acomodação. E é através deles que vem a música do aconchego harmônico da modernidade e do sonambulismo. voltei a pensar em H.tenho por mim que ele teria colaborado com qualquer sistema do tipo nazi-facista ou coisa pior sem o mínimo constrangimento. como um servo fiel. “se eu não faço outro faz”. somos inimigos mortais.

III
andando pelos subúrbios e como é nesse troço de viajar assim, no tempo que se vai fazendo alguma coisa ou lendo um livro ou vendo as pessoas e como elas são diferentes e de como parecem que estão por ai jogadas no mundo e que de um modo geral não pensam no mundo e no seu porquê, talvez isso não tenha importância mas é o caso que o modo como sou, parecer tão destoante as vezes me enche, enche também sempre de uma certa responsabilidade e sinto que vai aumentando com a idade pois antes era mais irresponsável e conseguia me distrair mais e me abstrair mais desses encargos e desse fluxo de pensamento e parece constante mas que as vezes me parece se repetir como um relógio em um tempo cíclico, entretanto em intervalos perdidos em momentos deja vu de mim mesmo e de sentimentos recorrentes então de que modo isso é tão redondo, é tão circular mas um circular em círculos cônicos que vai galopando em um além da memória de um espírito que parece consciente mas que parece em um constante medo de perder essa memória ou de perder mesmo a memória por que o que seria se não houvesse isso que a gente chama de memória e o quanto a gente tem medo do esquecimento e o quanto seria bom também esquecer mas que essa recorrência é tão vulnerável e o quanto a gente deve a nossa personalidade então não se justifica as vezes acredito que não, esse medo de alguns humanos dos não humanos pois ainda que eles simulem nossa memória a desmemoria seria injustificada visto que eles só se justificariam pelo registro e diferente de nós que somos por que estamos sempre nos construindo a cada momento não pelo que já sabemos, não necessariamente mas pela ausência, será que somos seres negativos como na fotografia e que está com freqüência se revelando pela incidência de certa luz-consciencia ou fato ou situações mas que queima também? não sei, nem tudo da certo e como deviria de dar? parece justificável o erro pois como poderia ser diferente, o certo e o errado parece tão familiar e essa dicotomia parece tão familiar e harmônica e esse medo do erro como medo do esquecimento parece algo já tão sabido antes como se não pudesse ser diferente então como poderia ser? então talvez perca-se no futuro essa vulnerabilidade que é a vida de um modo geral de indivíduos, pois somos esse fluxo que na verdade não é linguagem mas uma pulsação que acaba se traduzindo grosso modo na linguagem e que não é tão natural e que talvez assim como as maquinas jamais se compare a esse fluxo de pulsos e impulsos mas que também se chegasse a ser reproduzido artificialmente seria de grande curiosidade, em seu ser maquímico e invisível, a máquina invisível.
IV

finalmente depois de ter ficado horas no ônibus circular chego, enfim, nas proximidades de Metálica.não é de admirar que poucos vem por essas paragens. o ar é muito denso e o dia tende para a escuridão. Talvez não seja a toa que o povo daqui faça tanta questão em preservar tudo em poucas cores tipo branco ou alumínio.parece compreensível que as cidades próximas sintam os respingos de sua influência e uma coisa ou outra pode-se até mesmo afirmar. é de Metálica. para passar por seus portais é necessário um CD( Chip DNA). ainda que tenha conseguido burlar quanto a minha entrada não é aconselhável arriscar por certos lugares privilegiados pois possuem sistemas de segurança altamente sofisticados.enfim, mas para as minhas necessidades pareciam razoáveis, quais sejam. Encontrar evidencias de um tal ovo da serpente evidentemente muito raro não quanto a sua existência, claro, apenas as evidencias. pois há quem os negue veementemente de uma tal forma e com tal poder de persuasão que é realmente de se acreditar que o diabo não tem chifre. haviam alguns detalhes de Metálica que já conhecia mas pude confirmar in loco. existe uma certa mania dos habitantes dessa cidade de adicionar a palavra “bem” a tudo quanto é coisa. por exemplo, quanto a cor que usam , branco ou metálico, dizem: cor do bem, para um tipo de água que bebem dizem, água do bem, até para o ato sexual dizem a foda do bem, e por ai vai: santo do bem, o intervalo do bem, amigo do bem,a matança do bem, a fome do bem, o patrão do bem,governo do bem, etc. isso tinha um poder sobre mim que era realmente incrível. me dava um enjôo, um embrulho no estomago que a uma das únicas coisas que poderia amenizar era afastar-me na maior velocidade possível e depois tomar uma. era de uma vulnerabilidade para esse aspecto específico que se descobrissem e usassem como tortura me teriam tudo sem resistência.

V

vaguei alguns dias noturnamente e a cidade parecia prender a respiração durante a madrugada. durante a manhã a vida surgia mas a seu modo limpo e linear. Claro e muito branco e de grande polidez contida. parecia um grande teatro harmônico e simbólico. todos falavam a mesma língua, que era quase nada. lembrei de uma professora de historia que dizia diante da classe incontida “ o silencio é a arma do justo, eloquente e equilibrado”. pobre professora, ainda que não lhe atribua tal frase, o silêncio é a carcaça de muita conveniência, condescendência, opressões e injustiças. quanto ao tal ovo da serpente teria que retornar em outra oportunidade. meu CD estava prestes a vencer e poderia ter que pagar um preço desmedido por tal imprudência. de qualquer forma, pistas foram suscitadas e locais e lugares descartados para uma próxima paragem. Ainda que tal cidade não me dê nenhum prazer por outro lado me incita a percepção e me põe atento. muito atento quanto a seus sinais. novas pesquisas teriam que ser feitas e retornar com mais consistência. ótimo.sai o mais furtivo possível numa tarde nebulosa, sim, não poderia encontrar uma palavra mais adequada. E fui deixando para trás os fleumáticos habitantes de Metálica.