domingo, 6 de janeiro de 2008

nuvem virgem

e o sol
vos
atravessa

nuvem
virgem
de signos

feito força feita
de luz
impetuosa

vai
violência
viva

de estar
lúcido
e sentir

sinos
nuances
e sons de sorrir

de ver
ouvir
e mentir

vai violência
muda
ou escandalosa

és a mesma
com geometria
sem geometria



tácita
nos olhos e línguas
da salamandra

a aurora vai
vem a pino ela, escorchante
chega a noite

e a luz
atravessa
medievalesca

e o corte
esquarteja
antiguissimamante

luz
sim
leiser

prazer
vupt!
prazer

que parte
a nuvem
poderosa

divide
a massa
gélida

fura a terra
aterra a terra
e escaneia

flecha
dor
alheia

ou flor
que se esvai
em partículas

ao vento
flecha-espada-faca
de luz

fura
estropiando
em silêncio

germina vai faz
essa primeira vez
fecunda

faz que se dilua
sem gemido
essa vez mesma

à esmo que sue
e se desfaça
em líquido

que não é segredo
e quedará guardada
em nosso rosto molhado

resumo
desse momento
assombroso

e suspensa
imprimirá já
saudade

diluída no ar
da primeira vez
para sempre

és memória
esquecimento
mas ganhas um nome

viesses do nada
voltarás
jamais

ganhasses uma forma
perdesses
pudera

teu momento
o eu era
viera

era nuvem
não és mais
pois é da natureza

agora imagem
canção
essa, suspeita

que mal seja
ser defeito
de nascença

também
feito tua origem
nuvem virgem

A cidade invisível



I


Eu hesitava.
clara, era a imagem da dúvida que surgia
Uma Cidade se erguia
E...Como que
Ao dar as costas, ao piscar de olhos, ela, para onde foi, por onde?
Mostrava-se outra, outra forma, diferente
Assim, todos, era-mos estrangeiros a cada instante
sem no entanto precisar mover-se
vendo um ponto, uma referência da anterior
Assustado e também fascinado com a nova
que mostrava-se. Vejo agora
ainda que vagamente
Como permaneci de tal modo congelado. Se elas sempre existiram,
O que teria sido antes? Existimos só quando vemos?
Exposto a força e as sensações das formas inevitáveis que eram essas novas imagens e tantas...até onde não é possível numerar.


II


Passando por uma de suas ruas, ou andando por ruas que supunha que conhecia.Ruas que se entrelaçavam em estreitos corredores com trechos confusos e entruncamentos como se fosse um parque de diversões sarcástico, de ironia incomum. Como gostaria de ter certeza de seu sadismo mas posto em tal situação, jamais poderia fazer esse tipo de julgamento. O sadismo como algo deliberado. Mesmo que, por si só, não seja muito tragável.

Esbarro em um enigma que só poderia ser inevitável se não fosse possível desaparecer como se desaparece nas Cidades.

Apesar que aparecer e desaparecer é uma lei que mantém o mecanismo de proximidade das Cidades ou de tudo que lhes diga respeito.Inclusive a bruma assombrosa. O temido castelo.

O enigma- ou o máximo que minha limitada inteligência poderia supor- ocultava-se na presença de três placas diferentes para a mesma rua em esquinas em torno a mim nas quais pendiam:
Uma no canto elevado de um muro envelhecido; outra na quina da parede ao lado da janela direita de uma casa entre blocos de rebocos que se desprendiam fáceis (ou seria uma igreja antiga abandonada?);e, por último, formando a tríade, pensa, inclinada como uma bandeira em um poste metálico.
Eis, respectivamente:
'Rua do povo'
'Rua do sagrado coração'
'Rua da consagração'


III



Segundo consta em registros guardados na administração local a rua do povo era a antiga 'rua dos gentios', a rua sagrado coração era a antiga 'rua dos sagrifícios' e a rua da consagração era a então famosa 'rua das armas'.
E este escritório só guardava registros de apenas três décadas. Havia sim um outro escritório onde caixas e mais caixas, fichários e mais fichários eram empilhados e nomes a respeito dessas localidades aos milhares eram devorados pelas traças e fungos. Por outro lado, diversos restauradores trabalhavam sem cessar. Ou seja, havia um imenso depósito de documentos históricos armazenados da mesma forma, incessantemente e quase que também instantaneamente eram trazidos novos. E, claro, o que o trabalho não dava conta ficava por isso mesmo. Enfim, essa genealogia dos nomes das ruas iam se antecedendo numa certa contiguidade ou mesmo similaridade que refletia os processos de tranformação daquela, ainda que não tenha nome pra isso deveria chamar de 'realidade' ou criar um novo nome como 'maleabilidade', 'mobilidade', etc. Não haveria santo que aquentasse tanta anomalia-anomaliabilidade inestotável-inesgotabilidade. Do mesmo modo, o nome da cidade seguia o mesmo padrão na qualidade de ser cidade acrescido de um, digamos, pós-sufixo posterior ao nome 'inst' que significava não mais que aquele instante: sãopalabilidade-inst,novaiorqueabilidade-inst,recifabilidade-inst, buenosairiabilidade-inst, que iam se sucedendo sem fim. Isso era só um exemplo aleatório na maior parte das vezes as cidadebilidades que se me apresentavam me eram desconhecidas. A única coisa que era única era não sê-lo, ou seja, havia sim uma unicabilidade-inst e só.

Como se a placa informasse mas omitindo por excesso onde o único interessado era eu. Pois bem, a parte as aspas que era um verdadeiro inferno pois ressaltava, em alguns casos, o mais vazio dos vazios em algo supostamente contendo alguma coisa crucial. Esse tipo de tergirversação só servia para acalmar um pouco o clima. Uma certa sensibilidade onírica, de sonho bom que dá medo. Dadas as circunstâncias a importâcia que isso tudo significava era pra lá de relativo, pra não dizer duvidosa. Por quê? Porque tudo era muito inusitado e uma grande surpresa. Voltemos às placas de novo.
Como eram nomes importantes! pensei aqui comigo. Era tudo que precisava. Irônico. Além do mais, alguma força sugestiva interior fazia-me referir-se a elas ou a tudo sempre no passado. Mas no fundo como peixe fora d’água, eu queria o presente. Só faltava criar uma “moral da história” completamente involuntária com isso tudo. O que seria imperdoável na altura desse campeonato. Montei um esquema para me concentrar nas palavras principais(ver esquema 1,no final). Pelo menos o que parecia ser o mais importante, o esteio. Enquanto lia as ruas desapareciam e os sinais desapareciam como vagões de um trem em movimento. Pareceu-me irrisório, pelo óbvio. Isso era cômico, era um riso nervoso como no rosto daquelas crianças que chora-mas-não-chora em espasmos). Ignorei a aparente simplicidade inst. Vejamos:
- A Cidade era fluida e mutante assim não havia necessidade de nomes, nem de ruas com nomes, sendo assim qualquer uma seria a sua e ainda que se tivesse um mome de rua preestabelecido de nada adiantaria;
- Eram caminhos curvos e turvos que se encontravam num novo conceito de rua, num novo conceito de cidade, de vida nova;
- Não havia, absolutamente, necessidades de placas num ambiente instável;portanto várias e nenhuma dava no mesmo;
- o fato de as ruas estarem juntas naquele momento não queriam dizer que foram criadas daquela forma e que estavam naquela posição por pura casualidade e minha presença não era menos casual;
- o fato de o nome da minha rua não servir como um indicativo de orientação talvez fosse o mais genial, absurdo e extraordinário que poderia supor;
- é como se fosse um ‘eu te decifro devorando’ ou ‘te devoro decifrando’, etc. “eu” ai era a mensagem. Como um megafone se esgoelando pelas ruas EU...EU. Que todo mundo vende e compra sem saber quem era.
- Uma pergunta não formulada ou latente que tornava o ar pesado
e sufocante pressão de cima pra baixo.

A partir daqui as coisas começam a ficar mais complicadas para um indivíduo de saber mediano, complexado com os descaminhos as quais não levavam ao centro. Centro, centro, centro de alguma coisa: da molécula, da cidade, do universo, do saber respondido como quando se pergunta a um oráculo, como uma entidade boa esfíngeca.
E tudo isso era um sentimento. O centro era uma grande bobagem e nesse caso muito mais. Por que cargas d'águas o centro nos atrai? Por que essa força quase magnética que nos impele a querer sempre convergir para o centro. Procurá-lo como se fosse o criador. O obelisco reverenciável.
A partir daqui, então, duas coisas poderiam ficar esclarecidas : quem era eu e o que era a cidade. Ou ainda quem será eu ou quem será a cidade daqui a qualquer instante. Mas nada que se pudesse dissecar como se fazia na antigüidade parte por parte. compreender deveria ser algo como os ultra-som, raio-x, infravermelhos, etc., aparelhos que conseguem ver além e através.Uma memória com hiper gigabytes alocados.


Uma música tocava em um radinho próximo. O mal-estar era vertiginoso. Tonteia pião. E era preciso ter sorte por acreditar que tudo ainda não era insanidade irrecuperável. Tonteia pião. Ou não estava disposto a nem comprar nem vender barato essa impressão ou imagem ou ilusão de algo ou de um ser eu ou esse outro que também era ou será um eu por ai a qualquer momento.Um eu por ai. Que era imagem e que queria ser mais.

IV


Havia enigma ou não havia enigma isso em nada mudaria minha qualidade de ser espectador e não Cidade, por exemplo. Na qualidade de representação, informação, etc., me pareceu ser interessante ser ou ter um enigma onde poderíamos nos encontrar e fazer relações. As placas indicavam a mesma rua ou era um código recente onde apenas meia dúzia de pessoas conhecia. As ruas eram objetivas como qualidades que lhe são próprias, ou subjetivas e não funcionam para todos apenas para quem as fez? As três possibilidades de escolha eram iguais ou duas delas eram armadilhas ou simplesmente foram colocadas por engano por mecanismos que geram o parecer ou destoar a morte e renascimento nas Cidades, como uma falha no sistema ou estamos diante do que poderíamos chamar de cinismo despropositado ou superpropositado de um ser qualquer onipotente e ignorado e inacessível).Veja só, algo que impressiona pela grandiosidade da força talvez, da obra, não seja nem grande nem forte e apenas um mecanismo indiferente. Como funções entre engrenagens pequenas e grandes onde não há qualidade de grandeza e força.(essas minhas ferramentas são realmente simples)


V


Apesar de evitar demonstrações do tipo rua é isso ou aquilo outro, a impressão era que apresentava-se diante de mim uma contradição. Me parece um jogo eterno e infinito entre tempo e espaço, o distinto e o indistinto. Claro, e tudo que pensava saber sobre isso. Palavras, palavras. Que diz respeito não apenas a Cidade e as ruas. Jamais descobriria a semelhança ou diferença das placas, placas e ruas, ruas e cidades anteriores, por exemplo (seria difícil ),etc.,etc.,etc. Uma arqueologia desacreditada.


VI


Enquanto hesitava as ruas desapareceram. Um cego se interpôs a minha frente e apalpava lentamente com um bastão. Me parece que ele havia encontrado um modo de agir e interagir com as imagens que se lhe apresentavam. Nele há uma entrega sensível-sensibilidade inst. É claro, a dúvida não é tateável e ele terá as suas a seu modo. Pediu informações para mim sobre as 'nuvens assombrossas'. O que poderia dizer...disse-lhe que tomasse cuidado e que se procurasse pelo castelo, ou pelo sorriso delicado, ou por qualquer outra coisa também seriam possibilidades válidas e talvez o ajudassem a encontrá-la.

As vezes, fecho os olhos enquanto existem por ai planetas que se transformam, de gás à massa e isso não é menos surpreendente. Enquanto pretendo simplesmente o afrontamento do sensível. Parece tão pouco.
Pensei em ignorar a cidade que se transformava. As casas e prédios que mudavam de fachadas e de cores como em um caleidoscópio.
Conheci pessoas por minutos ou segundos. Acontecia de estar conversando com uma e outra reclamar por não compreender o que estava sendo dito.

A cidade era-me estranha por motivos que desconhecia. Andava tomando a forma do mundo, andando por ruas que tomavam a forma de uma ponte ou de uma viela úmida ou um caminho de pegadas em areia no deserto. Ela não tem limite. Nem profundidade que possa ser medida. Sou raso.

Decididamente, estacionei em frente a uma imagem para certificar-me em quantas formas ela seria capaz de mudar nos momentos seguintes.
E vi por último uma estrela morrendo
Em cada coisa que não fui e em tudo que pensei ter sido
E por último um piscar de olhos
E um som de estrela caindo
Foi assim ter por último o próprio fim
Que foi tão presente quão ter surgido
Sem saber de onde.


Senti medo, calei, sim como animal acuado.
Se fiz por medo
Medo de sucumbir a minha própria invenção.
Invenção de mim mesmo
A imobilidade era um sinônimo de angústia
Mas a mobilidade, essa...Aahh!
Uma rocha que se desmancha feito nuvens.



esquema 1( disposição onde as placas estavam dependuradas no instante específico)


casa


bandeira

muro(placa de metal)